I. O início
A viagem começou com a difícil decisão de trocar de moto: deixar de usar uma XT 600E para viajar com uma moto recém lançada no mercado, portanto pouco conhecida pelos motociclistas, menor, menos potente e não tão robusta, a XTZ 250 Lander. Esta decisão aconteceu devido a alguns problemas ocorridos na viagem de 2006 com a XT, como autonomia, onde fiquei duas vezes quase sem combustível na estrada, peso da moto para andar muitos quilômetros no rípio, idade do equipamento, entre outros fatores.
Tomada a decisão, que futuramente se mostraria acertada, o próximo passo foi adequar a nova moto ao trabalho pesado do longo trajeto. Então, fiz algumas viagens curtas pra me familiarizar e observar os pontos que deveriam sofrer mudanças, foram eles: apesar da economia, ela necessitava de mais autonomia, uma proteção aerodinâmica eficiente, um lubrificador de transmissão, um pneu mais duro, voltado mais para o asfalto, bagageiro, suporte para as malas laterais e tudo isso sem alterar muito o peso total da moto, pois sua capacidade de carga total não passava dos 170 kg. Assim, foi sendo feito passo a passo até ficar pronta.
Começamos a organizar a bagagem cerca de um mês antes. Durante a montagem da bagagem tive que deixar muita coisa, devido ao fator peso. Assim planejamos sair no primeiro dia do ano novo, escolhido de maneira estratégica, pois, o primeiro trecho da viagem incluía a BR 116 em direção a Minas Gerais, muito movimentado com trânsito pesado de carretas, e como neste dia a maioria dos motoristas estariam descansando com suas famílias a estrada estaria mais tranqüila. Bingo!!! Com muita gente ainda dormindo devido à ressaca do reveillon, saímos às 8 da manhã, acompanhados de dois integrantes do moto grupo, Moisés e Deraldo, até a cidade de Santo Estevão.
A estrada tranqüila, com pouquíssimo movimento, deste modo, seguimos até Minas. Porém percebi que havia algo de errado com a moto. Em velocidade de cruzeiro ela balançava muito, como se houvesse alguma roda desalinhada. Chequei as rodas e nada, então percebi que havia algo de errado com o freio traseiro. Constatei um empeno no disco, “Que mer…!!” pensei. Em pleno um feriadão, onde resolveria este problema? Mesmo assim rodamos 700 km neste dia. Dia seguinte, uma sexta-feira, parei em uma oficina pra ver o que fazer e o mecânico foi enfático: “tem que trocar”. O problema era: Onde?!! Paramos em T. Otoni, concessionária fechada?! Seguimos até G. Valadares e lá tentamos resolver. Levaram para um torneiro, e tentaram diminuir o empeno, conseguiram, mas mesmo assim ficou um pouco, o suficiente pra me deixar preocupado. A causa deste empeno, foi a substituição do pneu original por outro mais duro em um borracheiro, que descuidadamente, deve ter colocado o disco apoiado no chão pra fazer a troca do mesmo, e o resultado: Uma tarde quase inteira parado na oficina esperando resolver o problema e que não resolveu. O torneiro foi a alternativa encontrada, porque, aconteceu o que eu já temia, disco de freio não é peça de estoque, ou seja, não tinha pra trocar.
Seguimos mais alguns km na tentativa de minimizar o prejuízo de tempo provocado pela parada na oficina (4 horas). Assim aconteceu outro imprevisto, começou a chover forte no começo da noite, fomos forçados a parar no primeiro hotel que tivesse vaga (!!!), isso mesmo…vaga pra dormir, estavam todos lotados e lá pelas 21:00, com muita chuva, entramos na cidade de Nova Era, onde encontramos vaga. Pela manhã, pegamos a estrada com o dia nublado. Passamos por BH, onde começaram algumas pancadas de chuva. Entramos na Fernão Dias, com chuva, e depois muita chuva, em seguida tempestade até Pouso Alegre. Passamos por uma região belíssima, o sul de Minas, já elogiado em outras viagens. Chegamos em Piracicaba-SP, já a noite. A única coisa digna de nota foi o preço absurdo que cobraram no hotel.
Dia seguinte, debaixo de chuva, seguimos por Botucatu até a Castelo Branco, pra sair em Ourinhos-SP e entrar no Paraná e pernoitar em Mamborê. Pela manhã, rodamos os quase 300 km que faltavam até Foz, para fazer a revisão, dormir e entrar na Argentina no outro dia. Na revisão, deram um trato na moto que a deixaram nova, e o mais importante: trocaram o disco de freio que continuava com um empeno, pegando na pastilha. Para isso, sacaram um de uma Lander X que ainda estava na caixa. Providenciei a carta-verde e tudo que ainda faltava, pronto, vamos para a segunda parte da viagem.
II. Gringos!
Entrar em outro país é sempre uma mistura de sensações como: euforia, medo, ansiedade, realização, etc. Todos os pensamentos passam por sua cabeça ao mesmo tempo…tipo: ” Com tantos imprevistos, não será melhor voltar?” Logo vem outro “Já vim até aqui, agora vou adiante!!”…”Será que esta moto agüenta mesmo? O motor é robusto, não tenho que me preocupar!!!…e se eu me acidentar, quem vai me ajudar? E se a moto quebrar em um lugar que não tenha auxílio? E se eu não puder consertar?”… e muitos outros. Como se fosse o anjo e o diabinho, brigando no seu subconsciente, nada mais do que a razão e a emoção degladiando dentro de você, onde os instintos afloram e sua mente fica aguçada, nos sentimos como um animal cruzando um território desconhecido, sendo vigiado e acuado, mesmo em campo aberto, é mais ou menos isso.
Depois essa sensação passa e nos sentimos mais relaxados e a vontade. Os muitos quilômetros do extremo norte argentino vão passando, com muito calor, até chegar em Paso de los Libres. Hospedagem cara, compensada com uma noite bem dormida, pé-na-estrada novamente, nos aproximamos da região de Concórdia.
Quando avistei uma blitz da policia caminera, fomos parados. Me pediram todos os documentos. Neste momento percebi que tinha algo de errado no ar, principalmente quando me pediram estojo de primeiros socorros, que prontamente apresentei, “mata-fuego?”… me senti roubado nesta hora…me fiz de desentendido, ai o policial endoidou. Tentou me explicar com mímicas, gestos, só faltou desenhar num papel, até que ele lembrou que tinha por escrito em português e me mostrou. Quando eu disse que não tinha, ele sorriu e disse “tenho que prender sua moto, aplicar uma multa, que deverá ser paga aqui e agora, no valor de $1.100,00 pesos!!! (Pensei: só não é mais ladrão porque é um só!! Fora os palavrões que não posso escrever aqui!!!). Mantive a calma e disse logo que não tinha como pagar porque não tinha dinheiro, só cartão de crédito…” vocês tem a máquina de cartão?”. Aproveitei pra me divertir com a situação, pois, estava mais favorável pra eles.
Então, havia duas motos oficiais paradas na blitz. Resultado, me veio uma curiosidade de olhar pra ver se tinha nas deles, eu sabia que não teria, mas… Bingo novamente! Ai eu tirei minha casquinha…” Me mostre o mata-fuego da sua moto pra que eu possa ver como ele é, afinal eu não conheço”. O cara mudou de cor, e numa tremenda saia justa, começou a gaguejar e tentar explicar com uma desculpa mais esfarrapada do que a outra, “e que o equipamento ficava na viatura”, e tal, e se enrolou todo, resumindo, peguei ele no pulo. Só que eu sei, que se eu resolvesse engrossar, ele inventaria alguma outra maneira de me sacanear e o jeito foi negociar. Baixaram a multa pra “míseros” $800,00 pesos, $400,00, $200,00 virou um leilão invertido, ofereci $10,00; $20,00; até chegar em $50,00 pesos que pra meu azar, não tinha nenhuma cédula neste valor. Dar uma de $100,00 e pedir o troco, nem pensar, então tive que deixar o troco também.
Depois deste episódio, entendi porque eles nos cobram o “mata-fuego”, deve ser pra apagar as chamas dos muitos palavrões desaforados que saem em labaredas da nossa boca, depois de ser extorquido descaradamente sem chance de se defender. Então segui muito fulo, e virando a cara toda vez que se aproximava de outra blitz ou posto de controle policial, pra não ser parado novamente.
Daí em diante, não houveram muitas novidades até chegar em Navarro, para pernoitar. As observações são referentes as longas retas, muito calor, e o dia começa a ficar mais longo. Pela manhã seguimos rumo sul, até chegar na ruta 03, a principal rodovia de ligação de Buenos Aires até o extremo sul do país. Passamos por Bahia Blanca, onde logo após fomos parados por uma fiscalização sanitária, que nos fez desmontar toda a bagagem. Depois deste inconveniente, rumamos para o entroncamento que nos levaria para a cidade de Viedma, sob um vento frio que começou a incomodar, talvez por ser mais de 21:00. Ficamos em uma pensão muito simples e cara de duas anciãs em Major Buratovich.
III. Primeiras sensações da Patagônia
Amanhecemos na estrada sob ventos ora fortes, ora brandos, até Viedma, onde rumamos em direção oeste para uma cidadezinha que tem a ver com o nome, San Antonio Oeste. Um trecho de cerca de 180 km com um calor infernal, típico de regiões desérticas. Como não tinha um termômetro, calculo que beirava os 45°, calor igual só havia visto em 2006 na ruta 07, um pouco antes de Mendonza.
Paramos em um posto na entrada da cidade. Descansamos um pouco, bebemos muita água. Quando fui ligar a moto para ir até a bomba abastecer, ela não ligava o motor. Insisti e ela não ligou. E agora? A moto quebrou! Pensei logo na bomba de combustível, que provavelmente estaria queimada. Mantive a calma o quanto pude, abri a caixa de fusíveis, chequei todos e nada. Comecei a pensar na possibilidade da viagem acabar ali mesmo. Na Argentina, não existe este modelo, provavelmente a solução seria trocar a peça, que teria que vir do Brasil e…sinceramente, não sabia o que fazer. Apenas comecei a preparar minha companheira para a possibilidade de voltar de avião, e etc. Passaram-se cerca de 3 horas nesta angústia, quando resolvi tentar mais uma vez e… funcionou!!!
Montamos, fui para o centro da cidade para passar numa oficina pra investigar o que aconteceu. Eu suspeitava de superaquecimento. Mas, uma barreira policial estava impedindo a entrada na cidade não sei por qual motivo, mandavam todos seguirem rumo sul e como eu não tinha nem abastecido, perguntei onde seria o próximo posto, que foi indicado a 40 km adiante. Cumpri as ordens, mas confesso que bastante preocupado, e se o problema ocorresse novamente no meio do “nada”? Fui até um posto no meio de um descampado, longe de tudo. Êxitei um pouco pra desligar a moto e abastecer…”E se não ligasse?” Abasteci, e quando liguei a chave, tudo bem (ufa!). Seguimos até Puerto Madryn onde pernoitamos num “departamento” muito aconchegante.
No outro dia, refeitos do susto, continuamos no rumo sul pela ruta 03. Passamos por Trelew, depois quase 400 km até Comodoro Rivadavia, onde começaram uns ventos que pareciam que estavam mal intencionados em derrubar a moto, a qualquer custo, tornando os 70 km até Caleta Olívia um martírio. Tive que me esconder no vácuo de um caminhão tanque pra conseguir guiar a moto. Depois de Caleta Olívia, haviam alguns ventos, que foram abrandando aos poucos, até sumirem quase completamente. Chegamos em Fitz Roy para pernoitar, e ficamos em umas “cabañas” que eram do delegado da cidade, resultado, ele cobrava o preço que quisesse. Como fazia muito frio, não discutimos, nem pensamos em seguir até a próxima cidade, porque ficava a 200 km mais ao sul, e naquela temperatura, não seria inteligente seguir a noite. Acordamos cedo, mas, ainda fazia bastante frio, aguardamos algumas horas pra seguir com temperatura agradável mais um trecho de cerca de 600 km até Rio Gallegos, há 55 km da fronteira com o Chile. Mesmo saindo mais tarde, chegamos com luz do dia e sem pegar o frio mais forte, de quando anoitece por lá, as 22:00!!!
Quando chegamos fizemos amizade com o dono da quitanda do lado do hotel, Roberto Carlos, que confessou ser apaixonado pelo Brasil, também com um nome desses e flagrado assistindo o Raul Gil, queria o quê?
IV. O frio
Pela manhã a temperatura é agradável, uns 17°C. Abastecemos, depois partimos pra enfrentar cerca de 600 km com quatro aduanas, uma balsa, 110 km de rípio, ventos de até 80 km/h e muito frio. Os primeiros 55 km até o “Paso Internacional Austral”, são tranqüilos, sem ventos fortes ou imprevistos. Chegamos na fila dos veículos, enorme, por sinal, encostamos e reencontramos um casal de suíços, que também estava a caminho de Ushuaia, só que numa BMW 1200GS Adventure. Fomos fazer a papelada e encontramos uma fila única sem fim, que estava do lado de fora do prédio. Depois de muita paciência e umas duas horas pra dar baixa em um visto, que seria reativado no mesmo dia algumas horas depois na aduana de San Sebastian, fomos para próxima aduana, a chilena. Então o casal resolveu vir conosco, por isso, eu andei devagar pra não deixá-los pra traz (… :).
Chegamos no “transbordador” do Estreito de Magalhães para uma travessia rápida. Depois de mais de 7 mil km no asfalto, chegamos no rípio, que algumas vezes me dava uns sustos, mas, que no geral estava em condições razoáveis. Assim, fomos devagar por 110 km. No meio deste trecho, encontramos um engarrafamento um tanto “diferente”: de ovelhas!! Passamos no meio delas, e logo em seguida, o Simon, avistou alguns conhecidos e freou forte na minha frente, com um detalhe: a moto dele tem ABS, resultado: colidi no fundo da moto dele, sem maiores problemas, foi só um tombo. Até brinquei com a situação dizendo-lhe ” que o meu ABS falhou!! Muitos risos e tudo bem. Ele tentou fazer a volta, então, a moto pendeu pro lado…chão. Machucou um pouco a perna da companheira dele, sem gravidade. Levantamos a moto, checamos a Helen, tudo em ordem.
Seguimos até as duas aduanas em San Sebastian e de volta ao asfalto para mais 300 km. Como já era 18:00, e fazia um frio intenso, pensamos em ficar na cidade de Rio Grande e continuar no dia seguinte. Fomos junto com o casal até lá, onde nos despedimos, porque ele queria seguir “fast”. Colocamos nossas capas de chuva, e decidimos enfrentar o frio até onde desse pra ir. No caminho até a próxima cidade antes de Ushuaia, Tolhuin, pensei “Estamos no décimo segundo dia de viagem, a pouco mais de 100 km de chegar, vamos ficar na cidade antes por causa de 100 km???”. Decidimos então, enfrentar um pouco mais de frio e chegar de qualquer jeito naquele dia mesmo!!!
Foi dureza agüentar o frio nas mãos até Ushuaia, mas fui compensado quando cheguei na entrada da cidade as 22:07 e fotografei aquela placa de boas vindas, um sonho!! Depois voltamos pra realidade. Vamos procurar hospedagem para passar a noite. A primeira opção que surgiu foi demasiadamente cara, mas, depois de enfrentar 7.500 km, eu não agüentaria mais rodar procurando outro lugar.
No outro dia, procuramos outra opção mais barata, que depois de procurar bastante, encontramos um pela metade do preço e menos da metade do conforto do anterior, mas, como seria só pra dormir, serviu. Deixamos a bagagem, então, saímos para curtir o lugar e visitar a principal atração: O Parque da Terra do Fogo. $100,00 pesos na entrada, entramos para tirar fotos, inclusive na placa famosa da Bahia Lapataia, final da ruta 03.
Voltamos para fazer a revisão na moto e depois jantar no apart hotel dos suíços, que nos convidaram ao nos encontrar no parque, para um prato típico (hum!!). Depois assistimos juntos o pôr do sol as 22:15, nos despedimos e voltamos para o hotel quando escureceu as 23:00!!!!! Impressionante!
Dia de voltar, muito frio na saída. Voltamos pela mesma estrada, e já no começo um imprevisto, Cláudia havia perdido uma das luvas, que por causa do frio estava com três luvas uma por dentro da outra, inclusive uma minha. Voltamos pra procurar até encontrar. Seguimos ainda com muito frio, e agora com ventos cada vez mais fortes. Chegamos no rípio novamente, só que desta vez acompanhados de rajadas de vento de até 80 km/h. Foi cada susto, que teve algumas situações que tinha que parar pra não sair da estrada. Vimos alguns acidentes por causa das condições rigorosas do trecho, que me deixava apreensivo. Os quilômetros pareciam ter ficado maiores, deixando a impressão de distâncias maiores, pois, eu queria sair era logo daquela situação perigosa em que estávamos.
Finalmente, retornamos ao asfalto, mesmo assim o vento ainda incomodava muito, porque, vinha em sentido contrário com muita força. Abasteci na cidadezinha chilena de Punta Delgada e segui rumo oeste, com vento contra, sol na linha de visão, frio cada vez mais intenso, noite se aproximando. Sob estas condições, planejei dormir na cidade de Governador Phillips, que estava a uns 80 km à frente, no entroncamento que vinha de Punta Arenas.
Quando cheguei ao lugar, cadê a cidade? Foi ali que eu não entendi nada, pelo mapa deveria ter uma naquele lugar. Só tinha uma bomba de combustível e a sede de uma fazenda do outro lado da rodovia. Paramos no posto pra perguntar onde ficava a cidade, mas, não tinha ninguém pra informar nada, pelo horário já deveria estar fechado. Atravessamos a ruta e paramos na porteira da fazenda, não vimos ninguém, só uma luz acesa na casa. Entramos e fomos até a casa, chamamos, mas ninguém apareceu. Até que um homem nos olhou a distância e voltou pra dentro, acho que assustado com a nossa presença. Insistimos, pois, o frio estava me congelando, principalmente os dedos, que ardiam de maneira dolorosa.
Então ele apareceu, um pouco desconfiado. Não perdi tempo e perguntei onde ficava a cidade. Pra minha surpresa, ele respondeu, “aqui não tem cidade nenhuma”. Fiquei confuso, pois, estava lá no mapa, e agora? Eu não tinha mais condições físicas de rodar cerca de 50 km até Punta Arenas, estava preocupado com a possibilidade de hipotermia, e não era a toa, no termômetro da fazenda marcava 6°C, com o vento a sensação térmica deveria ser de cerca de zero grau!!! O jeito foi pedir para ele nos ajudar com qualquer lugar pra ficar, onde prontamente, ele nos atendeu. Nos convidou pra sua casa, nos serviu um café com pão e nos alojou em um trailer com fogão a lenha, que servia de ponto de apoio para os trabalhadores da fazenda, nosso hotel cinco estrelas naquela noite gelada.
V. Os encantos da Patagônia
Depois de passarmos o maior frio das nossas vidas, naquele extremo sul do Chile, o verdadeiro fim do mundo, na minha opinião, levantamos bem cedo para seguirmos as orientações do Juan, que nos explicou que os ventos naquela região só começam a ter força depois das 9:00 em média, portanto, logo cedo, eles são brandos.
Nisso, pulei da cama gelada as 5:40 pra agradecer ao nosso salvador, que pega no batente bem cedo. Ainda fazia muito frio, acho que uns 6 ou 8°C, quando agradeci a ele. Então, nos convidou para tomarmos o café da manhã na casa com o pai dele, pois ele já estava de saída. Tomamos um café bem quentinho que ajudou a combater o frio com o pai dele e seguimos após abastecer na única bomba de combustível, que por sinal era movida a gerador.
Pegamos a ruta 09 em direção noroeste sob um frio intenso, o tempo nublado talvez explicasse esta temperatura tão baixa. O vento apesar de não incomodar o equilíbrio da moto, incomodava pela temperatura extremamente baixa. Alcançamos um caminhão e aproveitei para usar ele como quebra vento, o que melhorou bastante a sensação térmica e pudemos seguir até Puerto Natales.
Como chegamos cedo pudemos procurar hotel com calma, até encontrarmos um com preço bom, bastante simples, mas, aconchegante, principalmente devido ao atendimento atencioso da dona do lugar. Aproveitamos para descansar, colocar algumas coisas em ordem, verificar as condições dos próximos km, etc. O frio, companheiro inseparável neste trecho da viagem, ora apertava, ora diminuía, além disso, os ventos fortes castigavam a cidade de forma assustadora e a chuva aparecia e desaparecia a todo instante. Como não havia condições climáticas de visitar o parque das torres, resolvemos ir no outro dia se estivesse melhor. O clima não é confiável por aqui.
Levantamos um pouco tarde neste dia devido ao frio. Depois do café, montamos na moto, abastecemos e rumamos para o parque, onde rodaríamos uns 130 km de rípio. O tempo estava nublado, mas, algumas vezes o sol aparecia. Outras vezes pancadas de chuva gelada complicavam em alguns momentos na estrada do parque, que tinha trechos de rípio em boas condições de rodar, outros com buracos, costelas de vaca, pedregulhos em subidas mais íngrimes, ventos laterais tão fortes que empurravam a moto para fora da estrada! Momentos de extremo perigo porque eu não podia frear e ficava momentaneamente sem controle, deixando que parasse com o freio motor somente, rezando o tempo todo pra não cair!!!
Mas, apesar de todos os riscos, a paisagem nos compensava com um espetáculo a parte. Como se a natureza nos mandasse um recado dizendo que qualquer sacrifício para admirá-la, seria bem recompensado, e realmente fomos. O Parque Torres Del Paine mostra toda a força de encantamento que a Patagônia tem. Nos ajuda a entender porque dois malucos montam numa moto pequena cheia de bugigangas, roda durante muitos dias sob calor e frio extremos só para admirar, mesmo que por alguns instantes, um lugar que não pode ser imaginado nem nos nossos melhores sonhos. Se com as fotos não conseguimos traduzir bem o que vemos, com palavras nem pensar!!!
Próximo do final deste dia, o tempo fechou e uma chuva forte cobriu todas as atrações do parque. Então aceleramos um pouco mais para sair logo do Chile. Chegamos na fronteira juntamente com nosso companheiro, o frio, é claro! Fizemos as tramitações sob perguntas curiosas dos agentes aduaneiros, principalmente dos argentinos que foram muito cordiais, mostrando que o episódio no norte do país, é restrito a aquela região, como outros viajantes já haviam me dito, que no restante da Argentina não teríamos problemas com a policia. Seguimos pelo rípio em boas condições de rodar, até chegar no início da temida ruta 40, que segundo os agentes, estava inicialmente asfaltada.
Chegamos nela, e com asfalto novo, um tapete! Agora teríamos duas opções, seguir até El Calafate por um atalho de 92 km de rípio, ou rodar um pouco mais até a cidade de Esperanza pelo asfalto, aumentando assim uns 100 km a viagem. A decisão seria a menos racional, ou seja, ir pelo rípio, se fosse mais cedo, mas, como era por volta das 21:00 e logo iria escurecer, decidimos pernoitar em Esperanza. Com o frio apertando cada vez mais, e os ventos favoráveis, chegamos rápido na cidade. Pernoitamos ao zunido do vento nas frestas do hotel, pois o lugar venta muito, sem exageros.
Seguimos em direção oeste, contra o vento, subindo uma serra que fazia o frio endurecer os dedos da mão. Parei algumas vezes para esquentar as mãos no motor da moto, na inútil tentativa de diminuir o sofrimento delas com a temperatura baixa. Pelo frio, calculo que fazia uns 8°C ou menos, devido a sensação térmica provocada pelo vento forte, que balançava muito a moto parada no descanso lateral, me assustando algumas vezes. Sob estas condições começamos a descer a serra já próximo a El Calafate. Chegamos na cidade para abastecer, comermos algo, estudar o mapa, e durante esta parada, encontramos um brasileiro numa KTM que chegava da ruta 40 norte e nos preveniu das péssimas condições que enfrentaríamos.
Fomos visitar o Parque dos Glaciares, onde fica a maior atração daquelas paragens: O Glaciar Perito Moreno. $120,00 pesos pra entrar, que depois seriam justificados pelos investimentos em infra-estrutura, com a pavimentação de todas as estradas do parque, que eram antes de rípio e pela admiração ao avistar o gigante de gelo.
O Glaciar é realmente impressionante! São cerca de 250 km quadrados de puro gelo, com paredes que variam de 60 a 80 metros de altura, em meio a uma paisagem deslumbrante. Em alguns momentos pedaços enormes de gelo se soltam emitindo um estalo forte e mergulham nas águas verdes do lago, produzindo belas e violentas ondas. Tiramos muitas fotos, filmamos, nos encantamos e acabou…tivemos que voltar daquele lugar que deixou muita saudade. Pernoitamos em El Calafate e nos preparamos psicologicamente para enfrentar o trecho mais temido de toda a viagem…a ruta 40!
VI. Agonia no rípio
Deixamos El Calafate com o tanque bem cheio e com um botijão carregando 5 litros de reserva. Estava com cerca de 25 litros de combustível, não havia garantia de encontrar lugar para abastecer com combustível disponível!!! Isso mesmo… haveria a possibilidade de encontrar postos secos no caminho, o que poderia ser um grande problema, pois, as distâncias astronômicas entre as cidades inviabilizariam qualquer tentativa de buscar gasolina na próxima cidade.
Os primeiros 30 km foram de asfalto até chegar no entroncamento da ruta 40, que para nossa surpresa estava asfaltado no trecho inicial de 70 km. Quando acabou o asfalto rodamos por um trecho de 10 km de rípio e depois retornamos ao asfalto por mais alguns quilômetros, uns 20 talvez, quando terminou o trecho asfaltado definitivamente. Daí pra frente foi rípio até enjoar, algumas vezes ele permitia rodar a 80 km/h, outras a menos de 10 km/h. A grande preocupação era com danos no chassi da moto que poderiam ser provocados pelas muitas costelas de vaca, que sacudiam a moto como se fossem desmontá-la. Então, era obrigado a andar com mais cautela do que o normal, sendo que não adiantava rodar devagar, nem rápido, nem frear, não tinha jeito de diminuir o desconforto. Aquela situação dava uma agonia, me sentia em uma luta desigual, como se a estrada estivesse contra mim!
Houveram situações complicadas com a sinalização, como existem trechos em asfaltamento (ainda bem!!), não haviam placas indicativas em alguns cruzamentos ou bifurcações, que me forçavam a tomar uma decisão instintiva que poderia nos meter em alguma enrascada se fosse na direção errada, como por exemplo, o risco de ficar sem gasolina no meio de um nada absoluto, onde muito raramente passava um veículo. Tanto que, num cruzamento que indicava um posto de gasolina, fiquei procurando onde ficava o tal posto, e fui rodando, rodando, até perceber que tinha passado direto daquele raro ponto de abastecimento. Voltar pra procurar, nem pensar, naquelas condições de piso, não havia margem pra se dar esse luxo.
Nestas condições, rodamos uns 290 km até chegar no entroncamento para a cidade de Governador Gregores, há 67 km daquele ponto, onde encontraríamos posto, restaurante, água, etc. Porém ir até lá, aumentaria uns 70 km de estrada de rípio, porque teríamos que sair da ruta 40, então, ficamos na dúvida, parados raciocinando o que fazer. Era uma decisão difícil porque envolvia uma série de fatores, a próxima cidade, Bajo Caracoles, estava a cerca de 200 km adiante. Fui analisando o nível de combustível que ainda tinha no tanque, mesmo depois de rodar tanto, o danado ainda tinha uns 10 litros!!! Cláudia ajudou a bater o martelo, coloquei ela na situação: “Temos cerca de meio tanque ainda, mais uma reserva no botijão de 5 litros, na pior das hipóteses, temos como rodar mais uns 300 km e a cidade está a 200, ou seja temos uma margem de segurança de mais de 100 km, vamos encarar e reduzir estes 70 km de rípio?…Vamos!!”.
Com a decisão tomada, seguimos. Confesso que mesmo com toda essa margem, fiquei apreensivo, será que a moto vai rodar mesmo até 500 km sem faltar gasolina??!! Será que não fiz o cálculo errado? Agora, já era tarde, como havia dito antes, voltar não dava, o único jeito era avançar. Ficava fazendo e refazendo as contas o tempo todo, preocupado com a distância sem abastecer, afinal tinha deixado pra trás, dois abastecimentos, e em um lugar como aquele, ninguém em sã consciência, arriscaria desta maneira, eu não sabia qual estava sendo o consumo médio naquele trecho, mas, percebi que a moto estava economizando muito.
Quando a fome apertou, paramos na beira da estrada, próximo a um grupo de guanacos, que correram assustados. Tínhamos um pouco de comida e água, para aliviar, não tinha onde comprar nada, portanto, dinheiro não tem o menor valor aqui, e sim, o que vale, é o planejamento de trazer reservas na bagagem. A outra opção, é ficar com sede e fome o dia inteiro até chegar na cidade. Enquanto comia aquele almoço formidável, pensava de como a vida naquele canto do mundo deveria ser difícil. Tudo longe, não tinha estrutura nenhuma, estradas ruins, sem hospitais, escolas, combustível, hotéis, nada, absolutamente nada. A sensação de solidão era grande, mas, ao mesmo tempo uma paz de espírito invadia minha mente, sem ladrões, sem poluição, sem engarrafamentos, sem barulhos, o único som era do vento e só!!
Montamos na magrela e tocamos pra frente, sempre devagar, primeira, segunda, terceira, quando dava, uma quarta, reduzia novamente, marcha lenta, até que avistamos uma miragem: uma linha negra no meio do deserto… “É asfalto, Cláudia?!!!Éééééé…”, me respondeu aos berros de euforia, parecia que tinha ganho algum prêmio da loteria. Mas, como aqui tudo tem seu preço, durante a comemoração, fui sentindo uns ventinhos mais fortes, e mais fortes, até virarem rajadas de vento contra, que me deixaram muito preocupado com o consumo, que deveria aumentar bastante e colocaria em risco todos os cálculos feitos antes.
Este trecho, pra nossa infelicidade/felicidade, durou 40 km, até retornarmos pra mais 120 km de rípio. Nestes quilômetros as condições mudavam tanto que tinha lugares que me pegava rodando a 100 km/h, já em outros, rodava a 5 km/h, e parava, e andava mais um pouco, sentia me arrastando pelo caminho. Passamos por um veículo que sofreu um capotamento, mas não machucou muito os ocupantes. A cidade de Bajo Caracoles, parecia ficar mais longe a cada km que rodávamos, devido a precariedade do pavimento, que a medida que nos aproximávamos da cidade ia piorando por causa das obras de pavimentação. As vezes me sentia consolado, porque sabia que numa possível nova visita a região, talvez não encontre mais rípio, pois, eles estão se esforçando para pavimenta-la completamente, ou seja, eu faria parte da história do rípio, como um dos últimos a passar por ele na famigerada ruta 40.
VII. Velho oeste
Finalmente chegamos no c…quero dizer, num dos lugares mais isolados que já vi, Bajo Caracoles. O lugar é totalmente isolado mesmo, lembra muito uma cidade do velho oeste americano. Pra todo lado que se olha, só se vê deserto. A cidade não tem mais do que 10 casas, uma bomba de combustível e pasmem, dois hotéis. Sendo que um deles é todo feito de material reciclado, onde pernoitamos. Neste hotel, conhecemos dois italianos e um inglês aposentado que viajava de moto também.
Pela manhã, fui abastecer, afinal de contas havia rodado 500 km sem abastecer, com isso fiquei curioso em saber qual a autonomia da moto. O frentista, que por sinal era o dono do outro hotel, demorou de nos atender, talvez tenha ficado com raiva por nos hospedarmos no concorrente. Mas, veio, meio contrariado encheu o tanque com 18,2 litros de gasolina!!!!!!!!!!!! Recorde!!!! Média de 27,5 km com um litro, com todo aquele peso e naquelas circunstâncias, um número muito bom.
Voltamos a rodar na ruta 40, acompanhados do Richard numa BMW 1.000 cc, ano mil novecentos e bolinha, nos 128 km até a cidade de Perito Moreno. Nos primeiros 75 km, rípio em péssimas condições, era uma tortura psicológica sentir a moto sacudindo parecendo que iria partir o quadro ao meio. Houveram trechos que rodávamos a 80 km/h, só que o Richard queria andar o tempo todo a 80, mas, tinha locais que era inviável rodar naquela velocidade, então, deixei de acompanhar o ritmo dele e passei a fazer o meu mais cauteloso. Já havíamos rodado tanto sem ter problemas mecânicos sérios, não seria agora que arriscaria quebrar o chassi, como relataram outros viajantes que passaram por aqui.
Voltamos para o asfalto, comemoração de ambos, asfalto bom até a cidade. Quando chegamos pausa para um refresco no posto, muita conversa em inglês, que foi bom para desenferrujar o meu, depois completamos o tanque. Durante o abastecimento, aproveitei para confirmar a informação que haviam me passado dos próximos 120 km de rípio até a cidade de Rio Mayo, que seriam os piores de toda a ruta 40. O frentista, confirmou esta informação fazendo uma ressalva sobre a péssima condição da via. Logo perguntei, “pior do que o trecho que passamos?!”, ele respondeu enfatizando que sim, muito pior.
Como eu já estava desistindo de seguir pelo rípio até Bariloche, sabia que seriam somente mais 120 km nele e depois asfalto o tempo todo, mas, rodar no rípio já não é bom, sabendo que seria o pior trecho dele a se atravessar, esta informação só ajudou a ter certeza da decisão de mudar o roteiro original.
Nunca vou saber se tomei a decisão certa ou não, mas, preferi a segurança do asfalto, a incerteza do rípio. Cortamos o país do oeste para o leste, com vento favorável e temperatura agradável, chegamos em Caleta Olívia, e fomos para Comodoro Rivadavia, sob os já conhecidos ventos laterais que enchiam a paciência ao balançar a moto o tempo todo. Quando chegamos, procuramos hotel, uma exploração absurda nos preços. Mesmo assim ficamos.
VIII. Agora, o calor
Na manhã seguinte, subimos mais um pouco pela ruta 03 em direção norte, até a cidade de Sierra Grande, onde pernoitamos. Ficamos combinados de acordar bem cedo, e rodar o quanto desse até meio dia, para aproveitar a temperatura mais branda, já prevenindo para não acontecer o que aconteceu na ida, quando a moto não pegava. Saímos às 7 da manhã com a temperatura agradável, e ao cruzarmos a região de San Antônio Oeste por volta das 9, sentimos um calor forte. Aquilo lá parece estância de férias do capeta…é muito quente, as 9 da matina, já estava fazendo mais de 30°!
Abastecemos e saímos logo daquele lugar, para rodar os poucos mais de 200 km até Rio Colorado. A medida que nos aproximávamos acho que aumentava uns 5°C a cada hora. Chegamos em Rio Colorado por volta do meio dia, uns 40 e poucos graus na sombra! Almoçamos, abastecemos e procuramos um lugar para uma parada estratégica. Nos indicaram o camping municipal, um oásis.
Adentramos o lugar pagando $2,00 pesos, procurando uma sombra para esperar a onda de calor passar. Já havia rodado mais de 300 km até ali, então, estava tranqüilo, poderia ficar até as 16 horas descansando para seguir viagem. Muitos banhos e sombra, mas o calor não dava trégua. Muita água, refrigerante (1,5 litros!), banho e nada. Que calor é esse?! Imaginava como estaríamos sofrendo se continuássemos rodando?
Nisso, o tempo passou e chegou a hora de voltar para a estrada. Já era por volta das 16:30 e o calor continuava intenso na rodovia, imaginem se não parássemos? Até Bahia Blanca, paramos muitas vezes durante os 140 km. Contornamos a cidade que tem umas entradas e saídas complicadas, até achar a estrada para Coronel Pringles, onde chegamos na boquinha da noite.
Quando amanheceu saímos com a intenção de dormir em Buenos Aires, ou um pouco antes. As informações de distâncias eram contraditórias, você via uma placa, rodava uns 10 km e a outra informava uma distância maior do que a anterior. Com essa guerra de informações, chegamos a Cañuales, há 60 km de Buenos Aires. Cláudia insistia na idéia de passear na capital federal argentina, com todas aquelas tralhas penduradas na moto e eu dizendo o tempo todo que não era uma boa idéia, seria muito arriscado, que no mínimo nos roubariam a bagagem, a máquina, etc.
IX. Exploração
Saímos de Cañuales na direção de Buenos Aires. Auto pista, pedagiada, onde moto paga a cada 10 km. Chegamos na capital que nem sentimos. Fui fazer a besteira de perguntar no pedágio como faria para chegar no Buquebus, só faltaram me bater com um chute na bunda, foi tanta gente buzinando que eu não conseguia nem ouvir o policial dizendo ” vaza!!”. Com tanta delicadeza, segui rodando na auto pista sem orientação, até que apareceu uma placa indicando Mar del Plata, logo saquei que estava saindo de Buenos Aires pela via expressa para o litoral. Peguei o primeiro retorno e quando retornei para a auto pista, dei de cara com dois policiais parados a margem da rodovia em duas TDM 900! Parei e perguntei como chegar ao Buquebus? Foram muito simpáticos (só fiquei atento a aquele sorrisinho descarado no canto da boca que não me trazia boas recordações!) e me indicaram o caminho. Eu deveria ter perguntado cadê o mata-fuego das suas motos? Quer saber, deixa pra lá, é melhor.
Perguntamos novamente a outros policiais (estávamos abusando da sorte, eu sei, mas era o único jeito!) que nos orientou e fomos parar lá. Em cima do horário de saída, fizemos toda tramitação, mas na hora de pagar quase cai pra trás com o preço…$417,00 pesos. Não tinha outra alternativa, a não ser passar pela região de Concórdia novamente e…o resto da história eu já contei.
O Buquebus é coisa de primeiro mundo, tem até um shopping com artigos de luxo para vender. A travessia foi rápida até Colônia Del Sacramiento, cerca de uma hora. Desembarcamos e fomos direto cambiar todo dinheiro estrangeiro que havia nas mãos. Em seguida, rodamos em direção a Montevidéu.
Quando chegamos na capital uruguaia, não vimos nada interessante, só uns prédio velhos, muitas indústrias. A medida que andamos pelo lugar, mais exatamente após a zona portuária, fomos encontrando, pontos interessantes para uma foto, resultando em imagens bonitas. Continuamos pela orla, até voltarmos a rodovia que nos levaria a Punta Del Leste.
Ao chegar na cidade, tratamos de procurar logo um lugar pra ficar, já estava anoitecendo e pretendíamos pernoitar por lá mesmo. Perguntamos em uns hotéis o preço, então a recepcionista começou a dizer o preço…95, pensei que legal, o preço é muito bom… então ela completou…dólares! O quê? Que preço absurdo!! Convertendo para Reais, estamos falando em cerca de R$ 220,00 só por uma noite! Em um hotel simples, uma espelunca, melhor dizendo! Fiquei horrorizado! No dinheiro deles seriam, 2.200,00 pesos uruguaios, um roubo.
Então começamos a procurar, por preços mais acessíveis. Procuramos em outro, sai correndo antes que batessem minha carteira, depois mais outro, e outro, tantos que perdi as contas, até chegarmos em um que me cobraram descaradamente $32,00 dólares por pessoa em um quarto que seria divido com mais 6 pessoas estranhas. Sai de lá o mais rápido possível pensando que lugar mais estranho, só tem ladrão aqui, é?
Fomos até um que nos disseram ser o mais barato da região: $90,00 dólares! Quando já estava disposto a ir arriscar em outra cidade, o recepcionista perguntou, “quanto você tem?” Eu pensei, “pronto, chamou pra negócio”. Todo dinheiro que tenho é $1.500,00 uruguaios, que daria cerca de R$ 150,00 ou um pouco mais de 60 dólares, que já era muito. Mas, pelo horário avançado e a incerteza de encontrar hospedagem em outra cidade, só nos restava pagar o preço pela ingenuidade em querer ficar em uma cidade de turismo de alto nível, pagando pouco, mais uma lição.
Pela manhã, completamente lisos, seguimos somente com um dinheiro para abastecer e chegar no Brasil por Chuí.
X. Meu Brasil brasileiro!
Estamos de volta a nossa pátria amada. Como não havia comitê de boas vindas na fronteira, seguimos pelo Banhado do Taim, até a cidade de Pelotas. Depois rodamos até a região metropolitana de Porto Alegre e pernoitamos na cidade de Esteio, num motel, que era a opção mais barata, afinal, a grana tinha ficado toda em Faca Del Leste…digo…Punta Del Leste.
De lá fomos em direção a Curitiba via Serras Gaúchas (BR 116), em um domingo ensolarado de rodovias tranqüilas e curvas divertidas. Pernoitamos 100 km antes da capital paranaense, em Mafra-SC. Depois de uma noite bem dormida, levei a moto para uma revisão na mesma cidade, o que atrasou um pouco nossa saída. Logo após a revisão, pegamos a 116 novamente, mas, não entramos em Curitiba, seguido direto pela Régis Bitencurt, até São Paulo, onde encontraríamos o Francisco.
Como saímos meio-dia de Mafra, anoiteceu antes de chegar na capital paulista, uns 100 km antes passamos pela serra mais perigosa da Régis a noite, com um trânsito intenso de carretas, explicando porque este trecho é tão perigoso. Quando cheguei um pouco antes da cidade, liguei para nosso amigo, para marcar o local de encontro. Combinamos na saída do anel viário que dava acesso a Castelo Branco, no posto de pedágio. Quando cheguei ao local combinado, um pequeno problema técnico, não havia telefone no lugar e nossos celulares estavam com as baterias descarregadas. Como avisá-lo da nossa chegada? Como estávamos parados próximos de uma viatura da Policia de S. Paulo, o policial viu nossa agonia tentando ligar o celular e nos cedeu cordialmente uma ligação, que nos ajudou a avisar o Francisco.
Combinamos em um ponto mais a frente, na outra praça de pedágio. Agradecemos ao policial Wilson e rumamos para o outro ponto. No caminho, pegamos a via errada e paramos na Marginal Tiête. No primeiro posto de combustível, parei e liguei novamente para o Francisco, que finalmente nos encontrou. Depois de acomodados, fomos descansar. Aproveitamos para descansar logo durante todo o dia na capital, onde rodamos de metrô pelo centro, nos pontos comerciais da cidade, inclusive a General Osório, a Meca dos motociclistas.
Como nosso amigo Gustavo estava chegando de viagem da Austrália, aproveitei a oportunidade para reencontrá-lo no Rio de Janeiro. Saímos de São Paulo, sob chuva, que aumentava de intensidade e diminuía durante todo o trajeto da Dutra até o Rio. Chegamos na capital fluminense, com um certo receio. Não conhecia os pontos da cidade, e a sinalização era precária. Mesmo assim, chegamos em Copacabana, após errar as entradas algumas vezes, mas, cheguei.
Nosso reencontro com Gustavo, depois de 5 anos, foi emocionante e ele nos apresentou seus grandes amigos cariocas, o Murilo e a Débora, que nos acolheu como a dois irmãos. Muita coisa pra conversar, fotos pra ver, que foi impossível falar tudo. Visitamos pontos turísticos da cidade, como o metrô de Copacabana, o shopping Rio Sul, o Cristo Redentor, as praias de Ipanema e Copacabana. Foi um dia totalmente aproveitado.
XI. Em casa